Vanitas, 2011
Instalação, dimensões variáveis
Museu Arqueológico do Carmo
Vanitas (pormenor)
Desde a Antiguidade Clássica que a noção de que todos estamos destinados a perecer, por mais extraordinárias que sejam as nossas vivências, está presente na arte.
No séc. XVII, o tema Vanitas: a consciencialização de uma das principais tensões humanas, que resulta da vaidade que temos nos nossos prazeres e conquistas em vida, de nada nos valer para nos salvar da morte (noção primeiramente evidenciada no Livro de Eclesiastes (1)), transformou-se numa moda entre os círculos intelectuais da época. No entanto, a arte começou a reflectir estas preocupações muito antes de o termo Vanitas, as designar. Recordem-se por exemplo as representações Memento Mori (existentes desde pelo menos o séc. I) e as representações de Danças Macabras.
Julian Gallego, um historiador de arte espanhol, referiu que o que chamamos de Vanitas, deveria ser antes conhecido por “desenganos” (2). Esta interessante afirmação, ajuda, só por si, a entender que Vanitas, são obras que nos despertam para a consciencialização de que nada é eterno.
Nas pinturas sobre o tema, no decorrer dos séculos XVII e XVII, os símbolos característicos das Vanitas, podem ser genericamente agrupados da seguinte forma (3):
- Símbolos da vida activa, do poder e do saber (livros, instrumentos, dinheiro, objectos preciosos, documentos, coroas…);
- Símbolos ligados à passagem do tempo (relógios, ampulhetas, bolhas de sabão, rosas murchas,
ossos, velas, lamparinas, animais esquartejados, restos de comida…);
- Símbolos de associados a passatempos e frivolidades (dados, cartas de jogo, instrumentos musicais, canecas de cerveja e cálices de vinho, cristais, espelhos, jóias…);
- Símbolos da vida do além (ramos de oliveira).
Ao contrário do que muitos pensam, Vanitas enquanto tema continua a existir até hoje, e surge com forte presença na arte contemporânea. Actualmente uma Vanitas não está mais dependente dos símbolos referidos: libertou-se destes e em muitos casos a representação dos seus objectos próprios transformou-se na exibição ou produção desses objectos em si mesmos. No entanto o mais relevante neste acontecimento é que as Vanitas contemporâneas, oferecerem hoje, ao invés de uma noção castradora dos prazeres sensitivos, uma vontade de os usar em prol do anestesiar do receio da morte.
Se no que diz respeito aos séculos XVII e XVIII pudemos recordar artistas como Pieter Claesz, Simon Luttichuys, David Bailly, Pieter Steenwyck, Sébastien Stoskopff ou Bartolomeo Bettera, nos séculos XX e XXI é inevitável recordar obras de artistas como Damien Hirst, Jeff Koons, Zoe
Leonard, Garbriel Orozco, Jim Hodges, Félix Gonzalez-Torres, Sam Taylor Wood, Nan Goldin, Hannah Wilke, Louise Bourgeois, Pepe Espaliu ou Jana Sterbak, entre tantos outros.
A preocupação com a finitude humana, é algo que nos é profundamente intrínseco. A tensão provocada pelo conhecimento desse facto, é provavelmente a única a que nenhum ser humano escapa, e é portanto uma das mais pertinentes a ser abordada numa obra de Arte Pública, pois é universal. Está em plena e certa relação com qualquer espectador.
No trabalho plástico que apresentei no contexto do evento “O Chiado, a Baixa e a Esfera Pública”, interessou-me falar desta mesma inevitabilidade mortal, que tanto tem originado obras de arte, de literatura, peças de teatro ou composições musicais; mas desmistificando-a.
Importou-me falar de Vanitas.
Esta referida Vanitas, consiste na apresentação de uma mesa de festa, onde estão dispostos vários
alimentos perecíveis, dos quais são exemplo: frutas, bolos, doces e flores. A mesa está ricamente decorada e faz uso dos símbolos já referidos. Pretende-se que, enquanto Vanitas, osalimentos presentes na mesa, se deteriorem progressivamente, ao longo do tempo de exibição da peça.
Espera-se que o público se sinta visualmente seduzido pela obra, e que ao aproximar-se dela, num primeiro momento, pense que a mesa poderia estar à sua disposição para dela e dos seus componentes se servir. No entanto, num segundo momento, ao ser deparado com o estado de possível decomposição com que será confrontado, deseje afastar-se, pela repulsa que tal estado provoca. Esta peça criou assim esse confronto e essa tensão entre a sedução que exercem os prazeres da vida (no caso, saborear diversos alimentos apetecíveis), e o apodrecimento, ou a morte, a que tudo e todos estamos sujeitos.
O cenário do Convento do Carmo revelou-se conceptualmente ideal. Estando a ser colocada em evidência a finitude da vida (de qualquer forma de vida), a apresentação entre ruínas de pedra, antiga estrutura de um edifício que se queria o mais duradouro possível, reforçará a noção de que nada é eterno. Nem mesmo as mais resistentes construções arquitectónicas escapam à destruição do tempo.
(1) Vanitas vanitatum et omnia vanitas (Vaidade das vaidades, tudo é vaidade), Eclesiastes 1:2 (2) Julain Gallego apud Luís Calheiros, in http://www.ipv.pt/millenium/pers13_4.htm (05/05/2011) (3) Manuel Gantes in “Vanitas: A Memória do Tempo na Pintura”, p. 16 (Lisboa: Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, 2003. Tese de Mestrado em Pintura, orientada por Professor Pedro Saraiva)
Scaring Death Away, 2011
Acrílico sobre papel, 20x30cm (x8)
Scaring Death Away (pormenor)
Scaring Death Away (pormenor)
Scaring Death Away (pormenor)
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